Doenças

Há cura? Como é o tratamento? Entenda como se caracteriza a dependência química

A dependência química vai além do abuso de substâncias ilícitas, e impõe uma série de desafios aos pacientes que enfrentam os vícios

Há cura? Como é o tratamento? Entenda como se caracteriza a dependência química - Foto: Shutterstock

De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde), registrou em 2021 mais de 400 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. A maior parte dos pacientes é do sexo masculino com idade de 25 a 29 anos. Esse número retrata o problema de saúde pública que a dependência química representa no país.

O que caracteriza dependência química?

Segundo a psicanalista Mariana Frota, falar de dependência química pode variar de acordo com a cultura local, hábitos de uma região e economia. Além disso, há o fato de que o uso de uma substância muitas vezes considerada simples, como a cafeína, também pode causar dependência se usada de forma incorreta, ou seja, abusiva.

“Partindo do ponto de vista de substâncias químicas de maior acesso, podemos citar o álcool, remédios calmantes (barbitúricos) geralmente usados para tratar ansiedade e induzir sono, nicotina, cocaína e heroína, que são os mais comuns neste quesito”, aponta a profissional.

Para o psiquiatra Diogo Batista Gomes, cada substância tem um potencial de vício diferente. “É preciso avaliar o dano que ela pode causar, o quanto ativa dopamina no cérebro, o prazer que causa, os sintomas de abstinência e facilidade de consumo”, diz o médico. 

Conforme o especialista, a dependência química ocorre quando há a necessidade crescente do uso da substância e sua incapacidade em interromper o uso. Além disso, fenômenos como tolerância, abstinência e fissura indicam que a dependência química está instalada.

Sinais de dependência

“Quando a pessoa que faz uso não sabe como moderar, entender a motivação do uso e passa a ter uma compulsão, já temos indícios que de algo não vai bem. Sabemos que uma compulsão anuncia uma angústia que não está sendo vista, investigada e tratada”, diz Mariana. 

A psicanalista aponta que sinais de fissura (aquele forte desejo) também indica que a pessoa criou uma dependência daquela substância.

“Para além disso, sempre há algo na mudança de comportamento, atitudes transformadoras, humor oscilante, euforia, depressão, desânimo, frustração, agressividade, desinteresse, impulsividade e etc, que podem junto aos sinais físicos apresentar os sintomas [de dependência química]”, elenca a profissional. 

O ímpeto do uso

Jennifer* (que escolheu esse nome para não se identificar), é uma jovem universitária de 25 anos que tem diagnóstico de adicção. Ela chegou a ser internada, por vontade própria, em uma clínica de reabilitação.

“Quando eu adentrei na clínica, descobri que era um diagnóstico pra vida inteira, que não ia me curar de ser adicta. Isso é como uma doença crônica, então é bem complicado. É bem complicado lidar com isso pra sempre, pensar que de alguma forma isso vai me acompanhar a vida toda, toda vez que eu passar por dificuldades posso recorrer ao uso”, diz a jovem.

Nesse sentido, a psicanalista Mariana infere que a dependência química parte de um sofrimento. Isto é, de alguma forma algo no usuário se perde a ponto de não saber dosar aquele uso. “Sempre dizemos que pode ser sobre uma angústia que não se sabe de onde vem e o que provoca, uma fuga de realidade e uma vontade de se anestesiar de um possível sofrimento que não se quer enfrentar”, afirma.

Portanto, a dependência química deve ser vista e tratada como um transtorno mental, destaca Diogo. “Qualquer prejuízo que o paciente tenha devido ao consumo de substância deve ser avaliado por um psiquiatra. Se você ou alguém que você conheça está passando por uma situação como essa, é imprescindível a avaliação por um especialista”, diz o médico.

Há cura? Como é o tratamento? 

O psiquiatra Diogo explica que os tratamentos variam de acordo com o grau de dependência e a substância utilizada. “As terapias incluem certas medicações que diminuem o prazer envolvido na substância, controle de comorbidades e impulsividade. Em casos graves, a internação pode ser indicada”, afirma.

Sobre uma potencial cura, Mariana ressalta que é possível se antecipar. “A partir do momento que o usuário em dependência começa a se reconhecer naquele momento repetitivo e compulsivo, vemos como a chance dele sair dessa”, diz a profissional.

“Geralmente, o dependente químico diz que não consegue sair dessa, mas é algo mais profundo, algo acontece antes da dependência, aí a chance de sair dessa situação. Então, é possível não ser mais dependente químico”, acrescenta a psicanalista.

O problema do álcool

Jennifer tem adicção de álcool, cocaína e nicotina. Segundo ela, os maiores desafios com relação à dependência química são que essas substâncias estão em todo lugar. “Porque por ser uma pessoa nova, eu não consigo me afastar totalmente das pessoas que utilizam,  mesmo o álcool, por exemplo, que é algo social”, afirma.

“É bem complicado porque não tem um limite. Você está sempre perto, rodeada de pessoas que bebem, isso faz parte da nossa cultura. Eu diria que esse é o maior desafio, o álcool continua sendo o maior desafio, porque é a partir dele que eu acabo indo pra outras coisas”, acrescenta Jennifer.

Por isso, a jovem acredita que deveria haver um maior controle sobre o álcool, como propagandas tão fortes quanto as do cigarro. “Ajudaria muito já que comecei a beber desde muito cedo, então acredito que [deveria ter] maior controle da venda. E sobre o uso de drogas, mais informações sobre redução de danos sem preconceito com o usuário”, avalia.

Sentindo o estigma na pele

Jennifer conta que enfrentou muitos desafios na faculdade, onde se tornou pública a sua dependência química e a ida para a clínica. “As pessoas te veem de uma certa forma, principalmente quando elas sabem qual substância é, porque cada uma tem um estigma em cima, ninguém imagina. E quando as pessoas descobrem elas começam a ver você de outra forma, eu sinto pesadamente”, desabafa.

Hoje, a jovem faz tratamento com psiquiatra e psicoterapia. Para outros adictos, sua recomendação é que busquem ajuda. 

“Não é normal ter apagões, usar a ponto de atrapalhar a vida seja qual for a substância. Se você precisa fumar seu baseado durante seu turno de trabalho se não tem crise de ansiedade, talvez você também seja adicto. Não podemos ter preconceito a partir de substância nenhuma, não podemos deixar que elas tomem o controle de nossas vidas. Dito isso, essa é uma tarefa muito difícil”, destaca.

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