Cada vez mais mulheres estão decidindo adiar a maternidade, postergando por alguns anos os planos de se tornar mãe. Segundo uma pesquisa divulgada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos (Seade), o número de gestantes com mais de 40 anos cresceu 64% entre os anos de 2010 e 2022.
Adiando os planos da maternidade
Além disso, os dados mostram que no Brasil, em 2022, houve 331.438 partos em grávidas na faixa etária entre 35 e 39 anos, e 102.644 em mulheres acima dos 40. Foram praticamente 434 mil gestações em mulheres com mais de 35 anos, o que mostra que houve uma mudança de eixo das gestações no país.
De acordo com Roberto de Azevedo Antunes, diretor médico da FERTIPRAXIS Centro de Reprodução Humana e diretor da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), uma série de fatores explicam esse fenômeno.
Segundo ele, as famílias querem ter uma independência financeira maior, as mulheres estão mais inseridas no mercado de trabalho e querem atingir determinados cargos de trabalho ou determinadas titulações em termos de estudo. Tudo isso antes de começar a pensar em terem filhos.
“A questão é que os ovários não aguardam. Então, se entra em uma ‘sinuca de bico’ entre crescer profissionalmente, aproveitar a vida, viajar, curtir e ter os filhos mais tarde. Mas isso, sem dúvida, leva a uma maior dificuldade para que esses casais consigam engravidar”, salienta o especialista.
Impacto do relógio biológico
Trinta e cinco anos. Este é o marco inicial para uma gestação ser classificada como tardia. E, apesar de parecer cedo, especialmente considerando as diversas mudanças que a mulher tem passado ao longo dos anos, este é um conceito que permanece inalterado.
“A saúde das gestantes de hoje aos 35 anos é muito melhor do que a das gestantes de três décadas atrás. Mas, a partir desta idade, consideramos a gravidez como tardia devido ao aumento do risco de uma série de condições. É o caso de doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes durante a gestação”, explica João Sabino Cunha Filho, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Outro fator que impacta as mulheres quando o assunto é gravidez tardia é o relógio biológico, lembra o médico. Isso porque, a partir dos 35 anos, a fertilidade feminina começa a entrar em declínio, já que as mulheres não produzem novos óvulos após o nascimento. Com a reserva ovariana diminuindo ao longo dos anos, a concepção natural torna-se mais difícil.
O especialista também afirma que se ele pudesse dar um conselho para as mulheres, seria: “façam um planejamento reprodutivo”.
“Assim como fazemos planejamento financeiro, para viagem, para comprar carro… Também é essencial pensar no futuro reprodutivo. Os óvulos podem ser congelados indefinidamente, sem prazo de validade. Se uma mulher optar por esse procedimento aos 32 anos, por exemplo, e decidir engravidar aos 40, é como se ela ainda tivesse 32 anos biológicos ao tentar engravidar”, destaca.
Importância de planejar a maternidade
O primeiro conselho que Ludmila Bercaire, ginecologista especialista em reprodução humana e fertilização in vitro, dá para as mulheres que desejam engravidar após os 35 anos é que conheçam sua reserva ovariana. Isto é, o seu estoque de óvulos.
“Isso permitirá que ela entenda como os seus ovários estão se comportando na escala de redução que ocorre na reserva de óvulos por volta dessa idade. Além disso, permite que recebam um aconselhamento reprodutivo adequado”, explica.
Segundo a médica, esse aconselhamento pode passar pela decisão de congelar seus óvulos ou mesmo readequar o planejamento reprodutivo. Isto é, de acordo com as características individuais da mulher.
“Vale lembrar que o ápice da fertilidade feminina gira em torno dos 20 aos 25 anos, sendo esperado um certo grau de perda da capacidade fértil ao longo das décadas. Entender suas questões individuais e sua reserva ovariana permitirá tomar as decisões adequadas dentro do modelo de família que a mulher idealiza”, destaca a profissional.
Existe data limite para ser mãe?
Ludmila salienta ainda que não existe uma idade limite para ser mãe. Isso porque uma mulher que congelou seus óvulos ou embriões em idades mais jovens poderá descongelá-los para implantação aos 50 anos, por exemplo. Claro, desde que seu organismo esteja saudável e em condições de gestar.
Isso ocorre porque a qualidade dos gametas (óvulos) ou dos embriões, são mantidas com a idade do congelamento, mantendo a capacidade fértil por mais tempo.
“Diferentemente dos ovários, que sofrem a repercussão do envelhecimento com a perda da reserva de óvulos, o útero sofre pouco ou nenhum impacto com o envelhecimento. Isso pode permitir mesmo que a mulher engravide após o climatério/menopausa através de óvulos que foram congelados previamente ou através de ovodoação”, informa a especialista.
No entanto, Roberto lembra que há uma recomendação do Conselho Federal de Medicina (CFM) na resolução que normatiza a reprodução assistida em vigor no momento. “Sobre mulheres com mais de 50 anos que desejam engravidar, elas precisam de uma liberação clínica antes de serem submetidas ao processo de gravidez através de um tratamento de fertilização. Seja com óvulos próprios, seja com embriões próprios, seja com óvulos doados ou com embriões doados”, revela o médico.
Congelamento de óvulos
O congelamento de óvulos é, portanto, a opção mais comum entre as mulheres que desejam adiar a maternidade. De acordo com o diretor médico da FERTIPRAXIS Centro de Reprodução Humana, o primeiro passo é ter um acompanhamento com o seu ginecologista.
Dessa forma, é possível entender quais são seus desejos e o que almeja do ponto de vista do planejamento familiar. “Se quer ser mãe ou não sabe, se almeja quer ter um, dois ou três filhos”, exemplifica.
“Isso é algo importante e são perguntas que devem estar circulando na cabeça das mulheres. Até mesmo para que a gente consiga orientá-las em relação a quantos óvulos seriam necessários para dar uma maior ou menor chance para um determinado alvo de número de filhos que elas queiram ter”, explica o médico.
Segundo ele, a idade ideal para começar um congelamento do ponto de vista de qualidade oocitária (dos óvulos). Ou seja, antes dos 35 anos. Isso não significa, no entanto, que uma mulher de 36, 37 ou 38 não possa congelar.
Considerações importantes
Quanto mais óvulos se congelar, melhor. “Os estudos apontam para que, uma mulher que consiga congelar em torno de 15 óvulos aos 35 anos tenha uma probabilidade de cerca de 70% de ter pelo menos um filho. Se o intuito é ter mais filhos ou se o congelamento é feito em idades mais avançadas, quando a eficiência do óvulo será menor, recomenda-se que se faça o congelamento de um número ainda maior de óvulos”, aponta Ludmila.
Por isso, a médica destaca que o congelamento de óvulos é um tratamento que ainda não é acessível para todas as mulheres. Além disso, não representa uma certeza futura de gestação.
“Para aumentar as chances de gravidez, o ideal é que essa mulher que pretende postergar a gestação faça o congelamento em idades mais jovens, idealmente antes dos 35 anos, quando a qualidade desses óvulos será superior e o número de óvulos obtidos para cada estimulação ovariana será maior, aumentando a eficiência do procedimento”, afirma.
Segundo a ginecologista, acompanhar a reserva ovariana através da dosagem do hormônio antimulleriano e da contagem de folículos antrais a partir dos 30 anos é uma boa maneira de se inteirar sobre o assunto e tomar as decisões reprodutivas mais adequadas para o seu caso.